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A prostituição de Sônia e a
passagem bíblica sobre a “Ressurreição de Lázaro”:
Em relação à personagem Sônia,
Dostoiévski faz uma aversão entre o sagrado e o pecaminoso. Representam a
paridade de impulsos opostos, mas partilham de comum alicerce: a moral
religiosa e a moral idealista, contrapostas com a moral da sobrevivência e do
existencialismo.
Sônia, apesar de ser uma
pessoa com a moral completamente abalada diante da sociedade por viver na
prostituição (meio no qual entrou influenciada pela madrasta e para suprir as
necessidades básicas de sobrevivência dela e da família), é muito apegada à
religião e amante da passagem bíblica que fala sobre a “Ressurreição de Lázaro”
(a prostituição e a forte religiosidade, inclusive, inferem a ela traços que
lembram a irmã de Lázaro, Maria Madalena).
Subentende-se que isto
representa a crença dela de que há sempre a possibilidade de redenção
(ressurreição) e que a religião pode ser uma possibilidade de vida, o que é
demonstrado no trecho em que Sônia pensa, durante a leitura desta
passagem bíblica à Raskólnikov, “e ele, ele, igualmente cego e ímpio, ele
também ouvirá e também acreditará... sim, sim, agora, agora mesmo!” (p.365).
Portanto, para ela, a chance
de ressurreição sempre estará presente, ainda que haja um obstáculo (como a
grande pedra que fechava o túmulo de Lázaro) ou que, por exemplo, existam
fatores que pareçam impeditivos para isto (como o tempo, ela enfatiza os quatro
dias da morte de Lázaro durante sua leitura). Assim, para ela, nem mesmo a
morte é capaz de impedir a redenção.
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A não aceitação do casamento da irmã:
Raskólnikov posiciona-se
contra o casamento de Dúnia por entender que se casaria com Lújin somente para
salvar a ele e a mãe da pobreza. Para ele, a irmã estaria se vendendo, abrindo
mão de sua liberdade, de sua autonomia, pois Lújin foi claro quando disse que
entendia como esposa ideal aquela “mulher que considerasse o esposo como seu
benfeitor” (p.78), sendo dele, então, completamente dependente.
A contrariedade a este casamento
pode ser justificada pelo seguinte pensamento de Raskólnikov: “nem que comesse
só pão preto e bebesse só água, não venderia sua alma, não trocaria sua
liberdade moral pelo conforto, não a trocaria por todo o Scheswig – Holtei e,
menos ainda, pelo senhor Lújin” (p.85).
Assim, este casamento
representaria uma agressão, uma violação, um cerceamento ao que o ser humano
tem de mais valoroso (já que é o que o diferencia dos animais irracionais): a
sua liberdade, a sua autodeterminação moral.
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A “Teoria do Homem Extraordinário”:
Em sua teoria denominada
“Teoria do Homem Extraordinário”, Raskólnikov afirma que as pessoas são
divididas em dois grupos: um de ordinárias e outro de extraordinárias. As
ordinárias são definidas como sujeitos comuns, subordinados às leis correntes e
que não terão grandes feitos em toda a vida, devido à sua irrelevância. Já as
extraordinárias (existentes em pouquíssima quantidade), são aquelas que não
devem se submeter ao regime de normas impostas à sociedade, a elas é permitido
fazer coisas que são proibidas aos demais (é o direito ao crime). Estes
indivíduos teriam o direito de “permitir que sua consciência passasse por
cima... de certos obstáculos, e unicamente naquela casa em que a realização de
sua ideia (por vezes, salvadora para toda a humanidade, quem sabe) viesse a
exigi-lo” (p.296).
A primeira categoria seria o
presente e a segunda representaria o futuro (seres mais evoluídos). Como
exemplos desta última, Raskólnikov cita, dentre outros, Isaac Newton, Ivan o
Grande e Napoleão Bonaparte. A senhora usurária, Aliona Ivanovna, desta forma,
seria ordinária (nas palavras de Raskólnikov, um “piolho”).
De acordo com esta teoria,
pessoas excepcionais teriam, portanto, o direito de sacrificar quantos outros
fossem necessários a fim de deixar um legado para toda a humanidade. Pode-se
deduzir, ainda, que está nela implícita a ideia de utilitarismo, onde estas
pessoas ordinárias poderiam ser eliminadas devido à sua inutilidade e
insignificância (ou à grande utilidade das obras das extraordinárias). Ou seja,
para esta linha de pensamento, tem mais valor aquele que é mais útil.
Justificando o sacrifício dos outros (ordinários) em nome do bem social comum.
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Teoria socialista do crime:
A “Teoria Socialista do Crime”
é apresentada a Raskólnikov por Razumíkhin, que explica: “Essa doutrina é
conhecida, o crime é um protesto contra a anormalidade da ordem social e ponto,
e nada mais que isso, e nenhum outro motivo é admitido, e nada.” (p.292)
Para os seguidores desta
doutrina, o crime é cometido devido às desordens do ambiente opressor e que a
virtude e o equilíbrio social são alcançados quando o crime desaparece e isto
acontece ao passo que o ambiente fica organizado.
Os defensores desta opinião
justificariam o crime de Raskólnikov afirmando que tudo foi fruto do meio em
que ele vivia, isentando-o, pois, de arcar com as sequelas de seus atos, como
se não tivesse sido portador do livre arbítrio ao ter tal conduta criminosa.
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Delírios de superioridade e o homem forte:
Raskólnikov idealizou um mundo
inexistente e buscou implementá-lo (com sua teoria) acreditando ser esta uma
missão benigna, outorgando a si mesmo, por isso, o direito de fazer o que
quiser se entender que sua atitude trará resultados por ele julgados como
como bons para os demais seres humanos e classificando-se como
“extraordinário”.
Para ele, os fins estavam
justificando os meios quando decidiu planejar e cometer o assassinato. Tentou
isentar-se moralmente para escapar de seu julgamento interno. Conferiu-se um
grau de superioridade em relação às demais pessoas.
Porém, pode-se dizer que o
personagem foi presunçoso ao imaginar que poderia viver sem a culpa por este
crime. Iniciou-se, no momento em que decidiu cometer o ato criminoso e
perdurou-se após a concretização do plano, um imenso conflito em sua
consciência moral (fator nem sempre presente, mas que serve como alerta de que
há algo errado no comportamento). A “Teoria da Personalidade Humana” de Freud
resume bem toda esta perturbação: o ID de Raskólnikov determina que mate a
usurária, o EGO é o responsável por todo o alvoroço emocional e o SUPEREGO é o
causador de todo o sentimento de culpa.
Raskólnikov almejava a sua
liberdade, não queria “esperar pela 'felicidade universal'” … “queria viver por
si mesmo” (p.312). Por isto tornou as vítimas de seu crime pessoas inferiores a
ele, ou melhor, reduziu-as a seres tão desprezíveis que foram denominadas
“piolhos”.
Não obstante, não foi
suficiente para racionalizar a culpa. Raskólnikov, nesta situação, diz: “não
matei lá uma pessoa, mas sim um princípio, sim, contudo, passar por cima não
consegui, fiquei deste lado...” (p,312).
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O significado do crime para Sônia:
Pode-se dizer que há uma
dicotomia na confissão do crime à Sônia. Raskólnikov entendeu que a confissão
do crime primeiramente a ela era mais apropriada porque por um lado a moça
aceitaria a verdade sem grande choque e horror, já que era uma pessoa desrespeitada
pela sociedade e inveterada pecadora, não daria a si o direito de julgá-lo pela
barbaridade realizada e, por outro lado, representava uma figura cristã, com o
perdão arraigado em si, altruísta, sempre crente e esperançosa perante à
viabilidade de salvação.
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O artigo - o investigador o lê e infere que Raskólnikov é o assassino:
Porfírio é um calejado
investigador policial, baseia-se, principalmente, na razão, em silogismos.
Devido aos seus meios de
investigação, assegurou-se em palavras do próprio criminoso, nos seus delírios
que encaixavam em sua teoria.
Ao final do diálogo, fica
implícito que a confissão para Porfírio representava a descrença de Raskólnikov
na própria teoria, por isso a ele foi dada a chance de se entregar (o que para
o policial era inevitável).
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O Renascimento – epílogo:
Acredita-se que a humanidade
tem como preceito a capacidade de reflexão e o não o pensamento utilitário.
Por fim, Raskólnikov teve esta
habilidade e concluiu que deveria ser castigado e arcar com as consequências de
seus feitos. Desligou-se de conceitos que anunciavam um novo homem em um
corpo social que escondia um autoritarismo passível de gerar atrocidades.
Chega à conclusão de que seu
experimento social não foi conforme almejou e entrega-se, devagar, à ideia de
que cumprir o ônus do que fez é a melhor maneira de voltar à vida e ter o
perdão. Ainda era capaz de sentir culpa (que equivalia a uma dor moral) e,
gradativamente, com o apoio de Sônia e da religião, foi recuperando a sua
humanidade até a redenção.
Bibliografia:
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Martin
Claret: São Paulo, 2013.
Crime e castigo é uma das grandes obras que conheci. Li aos 30a, hoje tenho 66a. Considero-a impactante!
ResponderExcluirCrime e castigo é uma das grandes obras que conheci. Li aos 30a, hoje tenho 66a. Considero-a impactante!
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